Arado Velho: Projeto habitacional de média e alta renda traz impactos ambientais, sociais e históricos

A Fazenda do Arado Velho ocupa 426 hectares no bairro Belém Novo, Extremo Sul de Porto Alegre (RS), e pertencia ao falecido Breno Caldas, fundador do Grupo Jornalístico Caldas Jr. (engloba a Rádio Guaíba, o jornal Correio do Povo e a TV Guaíba – canal 2). Foi vendida em 2010 por seus herdeiros à Arado Empreendimentos Imobiliários Ltda, mais uma entre tantas empresas do milionário Iboty Ioschpe, que tenta, desde então, alterar o regime urbanístico da região para construir o megaempreendimento.

A fazenda abriga  uma das últimas áreas de mata nativa preservadas em Porto Alegre (quase metade do terreno, cerca de 200 hectares, constitui uma área de proteção ambiental), com fauna e flora específicas. A parte rural baixa, onde era criado gado, fica bastante úmida quando chove e, junto com a área de proteção, serve de refúgio para aves migratórias e animais, inclusive alguns ameaçados de extinção. Nos antigos canais de drenagem para produção de arroz aparecem peixes raros. A fazenda também conta com um sítio arqueológico indígena, ruínas dos séculos 19 e 20 e instalações e prédios construídos por Breno Caldas. Do ponto de vista ambiental e histórico, são muitos motivos para que a prefeitura de Porto Alegre adquirisse a fazenda para preservar a área de proteção e o bioma intactos e transformasse em um parque natural público, garantindo o acesso controlado à população, a exemplo do Parque Estadual de Itapuã, que fica próximo ao local.

Áreas mais baixas da Fazenda do Arado Velho constituem importantes banhados, que ajudam a evitar alagamentos na região e servem de refúgio para animais.

Mas tem uma questão ambiental e social que se destaca: a maior parte do Arado é formada por banhados, sendo uma importante área de inundação do Guaíba e, enquanto tal, possui a função de amortecer as cheias do rio na região do Extremo Sul. O Plano Diretor em vigor já permite a construção de até 1.323 unidades habitacionais na fazenda, mas para tornar o negócio mais lucrativo a empreendedora projeta construir 1.807 unidades para moradia e uma parte comercial, totalizando 2.357 lotes. São 1 mil terrenos a mais, representando um acréscimo de 77% no número de unidades, o que apenas será possível com a alteração no regime urbanístico da região e no Plano Diretor.

Santiago Costa, integrante do Coletivo Ambiente Crítico, explica que será necessário muito aterro para viabilizar o empreendimento no local, podendo gerar problemas de alagamento em outras áreas de Belém Novo ou, até mesmo, em bairros vizinhos. O projeto vem sofrendo sucessivas mudanças devido à resistência de organizações ambientalistas e da comunidade local mas, para se ter uma ideia, na versão de 2015 estava previsto o emprego de cerca de 140 mil caçambas de aterro. Agora em 2021, em sua 17ª versão, a empreendedora afirma ter deixado de fora do projeto uma parte baixa que está mais próxima da área de proteção ambiental, o que reduziria um pouco o tamanho do terreno a ser aterrado para habitação. Ainda assim, prevê-se um grande impacto. “Como a fazenda tem uma cota muito baixa por estar às margens do Guaíba, ela tem a função de receber as águas do rio e, ao mesmo tempo, cumpre a função biológica de equilíbrio na região. As consequências do aterramento estimado para um empreendimento deste porte na área são imprevisíveis, mas com certeza terão impacto para o bairro e para as localidades próximas. É o pagar para ver”, argumenta.

O projeto de urbanização do Arado prevê bacias de contenção, mas Santiago avalia que, na prática, servirão somente para evitar alagamentos no empreendimento. “As bacias servem apenas para viabilizar o empreendimento, pois uma vez que a área é aterrada, não há medida mitigatória que possa compensar os danos no entorno ou na região”, afirma.

Outro impacto social pouco divulgado pela Arado Empreendimentos e a prefeitura é em relação à infraestrutura viária. Nos estudos apresentados pela empresa, a estimativa é de alcançar 10.635 novos moradores à medida que o projeto for implementado e mais outros 8 mil nos 10 anos posteriores, chegando a 18 mil pessoas, um aumento de 70% na população de Belém Novo. Como é um empreendimento para classe média e alta, a previsão apontada no EIA-RIMA é de que o fluxo diário para o centro da Capital nos horários de pico aumente em mais 1.500 carros na ida e 1.200 na volta – cerca de 4,5 km de uma fila de automóveis.
Para reduzir os impactos, a empreendedora propõe duplicar apenas algumas partes das principais avenidas na região, aumentar o recuo em paradas de ônibus na tentativa de evitar congestionamento e expandir o transporte fluvial de barco com o  Catamarã. Não há nenhum comprometimento da empresa ou da prefeitura para melhorar o transporte público. “O Catamarã hoje não é um transporte popular, que a massa possa usar diariamente ou mais seguido. Uma viagem de Porto Alegre a Guaíba custa R$ 12,50, pense quanto vai sair a passagem do Gasômetro a Belém Novo, em que a distância é 3x maior. Além disso, a opção do Catamarã é apenas uma vaga promessa pois, até onde sabemos, não existe um projeto concreto do governo para construir estações ao longo da orla do Guaíba que interligue o centro e o bairro”, questiona  Felipe Viana, morador do Lami e integrante do Econsciência.

Ainda tem a questão dos pequenos agricultores e criadores de animais. Até pouco tempo atrás, o Extremo Sul, incluído o Belém Novo, constituía a Zona Rural de Porto Alegre. Esta classificação foi alterada para uma zona intermediária, chamada de rururbana, aliando a urbanização com a atividade econômica da população local. Fernando Costa, da organização ambientalista Amigos da Terra Brasil, relata que organizações ambientalistas e moradores fizeram um movimento para que a região retornasse a ser rural, mas a prefeitura não efetuou os estudos para localizar os produtores e os locais de acesso à água para a produção. “A prefeitura usou um estudo antigo, de mais de 30 anos atrás, que não reflete a realidade, e reduziu as áreas rurais. É uma gestão que se opõe às tentativas das cidades mais avançadas de viabilizarem  cordões de produção de alimentos em torno das capitais ou grandes localidades”, pondera. À medida que a região é urbanizada sem planejamento e vislumbrando a exploração econômica de terras e imóveis, a atividade agrícola e pecuária de pequenos produtores são ameaçadas.

Acesse a matéria principal e a continuação dessa história:

// Porto Alegre: Projeto de bairro planejado na Fazenda do Arado Velho avança em meio à pandemia

// Muito dinheiro para os empresários. “Progresso e desenvolvimento” apenas para alguns

// Violência contra indígenas e ameaças a ambientalistas para garantir projeto imobiliário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress