“Tiraram uma cidade do mapa” – A destruição de um bairro em Porto Alegre com mais de 5 mil pessoas e mais de 50 anos de história

Cinco mil pessoas que compõem 1300 famílias forçadas a deixarem suas casas em um bairro com mais de cinco décadas de existência. Esse é o resultado de uma obra propagandeada como de importância econômica para todo o estado do Rio Grande do Sul.

As obras da ampliação da pista do aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre, comandadas pela empresa alemã Fraport, mudaram completamente a vida dessas milhares de pessoas não só pelo penoso processo de despejo e remoção, como pelas condições dos lugares para onde foram removidas as famílias: muito abaixo do que a comunidade desejava, e inclusive do que foi prometido pela prefeitura.

Precariedade na infraestrutura das moradias, falta de serviços básicos em saúde e educação, ausência de espaços adequados de trabalho, e segurança estão entre os novos problemas que as famílias removidas vêm enfrentando. Enquanto isso, as cerca de 70 famílias que decidiram ficar na Vila Nazaré até obter condições minimamente dignas de saída, também vêm sofrendo as consequências do avanço de projetos que colocam o lucro acima da vida: em meio a toda uma vila destruída e esvaziada dos vizinhos, as famílias que resistem enfrentam problemas de acesso à energia elétrica e água, além da pressão da empresa alemã para acelerar e impor condições no processo de remoção.

Tudo isso em meio à pior crise sanitária mundial da história recente, na qual Porto Alegre chegou a ser considerada o coração do colapso no sistema de saúde diante da expansão do coronavírus; sem dúvidas pela mesma priorização da prefeitura do lucro ante a vida. O próprio prefeito Sebastião Melo (MDB), deixou as prioridades do governo da cidade explícitas em um ato falho dias antes de a cidade atingir seu pior momento na pandemia: “Contribua com sua família, sua cidade, sua vida para que a gente salve a economia do município de Porto Alegre”, disse Melo em uma transmissão ao vivo pela internet em 26 de fevereiro. Duas semanas depois, a cidade atingiu seu pico na pandemia.

Já em relação às famílias que continuam na Vila Nazaré, a Fraport resolveu entrar com ação de reintegração de posse, um tipo de medida que foi proibida de ser executada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em alguns estados como Rio de Janeiro e Paraíba, enquanto durar a pandemia. Durante todo o período da pandemia, segundo pedido apresentado pelo Psol ao STF para proibir despejos e remoções até o fim de 2021, 9.156 famílias sofreram despejos e mais 64.546 estão sob ameaça. No último 19 de maio, também foi aprovado na Câmara o Projeto de Lei (PL) 827/20 que proíbe a execução de despejos na pandemia. O projeto espera pela aprovação no Senado.   

O Ministério Público Federal (MPF) também tem denunciado recentemente a estratégia da empresa de pulverizar a negociação, e inclusive entrou com uma ação civil pública exigindo que ela seja realizada com “mediação e conciliação no plano coletivo, de critérios uniformes e isonômicos de alternativa habitacional às famílias”.

O MPF ainda se manifestou contra os containers que a Fraport dispôs para a realização das audiências: “o local disponibilizado à parte ré consiste em local mantido pela parte autora da ação reintegratória, com o que se mostra em local absolutamente inadequado para garantir à parte ré tranquilidade e condições inclusive de eventual contato e conversa com seu advogado”.

Frente a isso, e em resposta à denúncia apresentada pela Amigos da Terra Brasil, o Conselho Nacional de Direitos Humanos recomendou “a suspensão provisória da realização das audiências conciliatórias em centro de apoio até o término da crise sanitária de covid-19”,  em ofício enviado à juíza Thais Helena Gonçalves Della Giustina, da 3ª Vara Federal de Porto Alegre.

Nas últimas semanas a juíza suspendeu as audiências e passou a expedir liminares de reintegração de posse para imediata demolição das casas. Para a família que a juíza entende justificada a recusa, ela volta a apresentar a opção de aceitar o apartamento ou determina o depósito pela Fraport do valor de R$78.889,65, valor que equivale ao bônus moradia de Porto Alegre. Esse valor é recebido após a casa da família ser demolida. E a opção de recorrer existe, mas o processo de reintegração de posse não será detido. O que quer dizer que as pessoas terão as casas demolidas e o julgamento virá depois!

“Tiraram uma cidade do mapa”, diz uma moradora que preferiu não se identificar. “O pessoal que só tem comércio [sem casa] tá sendo obrigado a ir embora sem direito a nada, e os que têm casa recebem uns 78 mil reais, e são obrigados a ir embora, não interessa o tamanho da casa, nem há quantos anos a família mora aqui, nada. Tá indo goela abaixo”, diz a moradora sobre a situação atual.     

“Esse dinheiro que eles estão ‘dando’ não dá pra comprar uma casa aqui na região; acho que não dá pra comprar uma casa em lugar nenhum”, lamenta. Os moradores também estão reclamando que não conseguem ser atendidos pela Defensoria Pública da União. O abandono é total. 

Conheça melhor este caso na publicação Do campo à cidade: histórias de luta pelo direito dos povos à terra e à vida. Acesse aqui.

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