Dia Mundial da Saúde: precisamos combater o projeto neoliberal, fortalecer o SUS e exigir a saída imediata de Bolsonaro do poder

O Brasil passa por seu pior Dia Mundial da Saúde desde a implementação da data em 1950 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com a maior crise sanitária e hospitalar de toda a história do país

O governo de Jair Bolsonaro, único responsável pelos níveis atingidos da pandemia no Brasil, conseguiu mais uma façanha negativa não só ao permitir, por ação e omissão, que a crise atingisse seu momento mais crítico mais de um ano após ter começado, como ao tornar o país o epicentro da doença no mundo e uma grave ameaça para a região. 

A gestão de Bolsonaro da pandemia já é reconhecida internacionalmente como a pior do mundo, como mostrou a pesquisa do Lowy Institute, da Austrália, e como argumenta o editorial do jornal britânico The Guardian publicado no início desta semana: A visão do The Guardian sobre Jair Bolsonaro: um perigo para o Brasil e para o mundo. Entre a série de erros e problemas das ações governamentais está o posicionamento do país em relação ao processo de imunização. 

O governo brasileiro não apenas desdenhou a importância das vacinas no ano passado, como chegou, de maneira insólita, a negar vacinas oferecidas por laboratórios. 

Com a mudança recente do Executivo em relação à necessidade de aquisição de imunizantes, o problema ainda está longe de ser resolvido. Há duas décadas, o Brasil liderava, junto a outros países do Sul Global, como a África do Sul, um movimento de quebra de patentes abusivas, através de licenciamento compulsório, por exemplo, de medicamentos antirretrovirais para o tratamento de pessoas que vivem com HIV. 

Hoje, mesmo em meio ao caos pandêmico que já tirou a vida de quase 337 mil pessoas no país, o Estado brasileiro abandonou a postura de defesa da saúde pública e da vida da população, deixando sozinhos países como Índia e África do Sul na luta pela quebra de patentes de vacinas e tratamentos contra a covid-19 no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). 

Ao mesmo tempo, enquanto promete a imunização de toda sua população para junho deste ano, a União Europeia se mostra disposta a contribuir para que o cenário de imensa desigualdade mundial em relação à imunização se estenda durante anos, ao se mostrar relutante em relação à flexibilização ou quebra de patentes das vacinas contra a covid-19. A situação é a mesma com os Estados Unidos sob nova administração: “Vamos garantir que os estadunidenses sejam atendidos primeiro, mas depois tentaremos ajudar o restante do mundo”, disse o presidente estadunidense Joe Biden, há menos de um mês. 

O modelo neoliberal custa vidas

A pandemia, em boa parte da América Latina, e principalmente no Brasil, vem sendo um exemplo cruel de como a lógica neoliberal e o desmonte de políticas públicas impactam na vida dos povos. 

O estado do Amapá teve que enfrentar, em plena pandemia, uma crise energética por um problema gerado em uma subestação que é de responsabilidade de uma empresa privada: a Gemini Energy que, por sua vez, adquiriu a concessão em 2020 da espanhola Isolux. O problema provocou a oscilação de energia elétrica em unidades básicas de referência para o combate à covid-19, além de ter gerado falta de água potável e de alimentos durante mais de 20 dias em praticamente todo o estado.  

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) argumenta, em uma Nota Técnica de abril de 2020, que “fatores relativos às condições de vida (saneamento básico, acesso à água, educação, renda) são determinantes para a taxa de contaminação e para a velocidade de propagação” do coronavírus. Uma das regiões metropolitanas em que o Ipea constata essa relação é a da capital amazonense, Manaus, onde água e saneamento foram privatizados há 20 anos. Em levantamento divulgado no começo de 2020, a Ouvidoria da Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus (Ageman), mostrou que esses serviços são responsáveis por 91% das reclamações registradas na capital. 

Por essas razões, também reafirmamos a necessidade de combater o Acordo União Europeia (UE) – Mercosul, e outros acordos comerciais neoliberais, como o Brasil-Chile, e o da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, na sigla em inglês) – Mercosul, agora impulsionados pelo novo presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Aécio Neves. Trata-se de acordos que pretendem transformar o direito ao acesso a serviços essenciais como água, energia, saneamento, saúde e educação, em mercadorias.

Além da possibilidade de impor regras que gerem vantagens para que empresas europeias se apropriem de serviços essenciais nos países do Mercosul, é necessário lembrar que o acordo promove a reprimarização nada saudável de suas economias – com mais exportação de gado e soja e importação de carros e agrotóxicos. Esse é o modelo que  intensifica o desmonte das políticas ambientais e de direitos humanos, assim como a devastação dos biomas liderada pelo agronegócio brasileiro. 

Acesso à alimentação saudável também é imunização!

O ano de 2021 será pior para a saúde do povo brasileiro também pela falta de compromisso do governo federal e do Congresso em garantir o auxílio emergencial com um valor básico de R$600 à população. A redução do valor do auxílio, que agora sequer garante o acesso à alimentação básica, e do número de beneficiários, agravará a crise econômica e social no país, como argumenta o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).


E a situação em termos de Soberania Alimentar no país já é gravíssima. A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan), mostrou que durante a pandemia em 2020, 117 milhões de pessoas no país ficaram sem acesso pleno e permanente a alimentos. O estudo publicado no começo desta semana, revelou ainda que 19,1 milhões de pessoas passaram fome nesse período. 

Esse quadro coincide com o abandono completo de políticas fundamentais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE). Em 2012, o PAA chegou a comercializar 297 mil toneladas de alimentos da agricultura familiar. Em 2019, primeiro ano de governo Bolsonaro, a quantidade caiu para 14 mil toneladas. E as ameaças não param: a base do governo no Congresso quer modificar o PNAE para poder atender aos interesses de corporações da indústria alimentícia, colocando em risco a alimentação saudável de cerca de 41 milhões de estudantes. 

Ao mesmo tempo, os movimentos populares do campo continuam lutando contra o veto de Bolsonaro ao auxílio emergencial à agricultura familiar, aprovado pelo Congresso no ano passado.

O Estado brasileiro se encontra totalmente cooptado pelos interesses empresariais. Às vésperas deste Dia Mundial da Saúde, o Congresso teve a coragem de pautar a votação de um projeto de lei que retirou a prioridade do Estado na compra de vacinas, permitindo agora que empresas possam competir por imunizantes contra o próprio Estado brasileiro.

Vacinas já!

O novo ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França começou mudando o tom de seu antecessor, Ernesto Araújo. Em seu discurso de inauguração falou na necessidade de que o Itamaraty promova uma “verdadeira diplomacia da saúde”, e chegou inclusive a mencionar uma “urgência climática”. 

Mas sabemos que o povo brasileiro não pode depositar esperança alguma na troca de ministros deste governo. A principal medida para poder começar a recuperar o país da profunda crise em que foi colocado é pôr fim ao governo de Jair Bolsonaro.   

E a saída de Bolsonaro do poder não basta, é preciso derrotar o modelo neoliberal que seu governo promove. Por isso, junto a todos os movimentos populares e organizações da sociedade civil reafirmamos que defendemos o SUS, a quebra de patentes, vacina para todes já e relações comerciais justas que atendam as necessidades dos povos, respeitem seus direitos e preservem seus territórios!

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